sexta-feira, 24 de junho de 2011

A Mulher e o complexo de Cinderela

     Durante anos, a mulher foi doutrinada a se responsabilizar pelas atribuições do lar, pelo favorecimento do desenvolvimento do homem e pelo tecer dos relacionamentos. Não foi dado à mulher o acesso ao conhecimento, ao desejo e nem ao direito de posse. O desenvolvimento humano refere-se ao desenvolvimento masculino, e o desenvolvimento das mulheres definido pelos homens de suas vidas. Raramente era aceito que elas tivessem direito a uma vida própria.



As mulheres cresciam desempenhando um papel que não queriam, algumas vezes, mas acabavam fazendo porque era o que os outros esperavam que elas fizessem. Tinham que ser boazinhas, não podiam demonstrar suas verdadeiras emoções. Rir e falar alto não era permitido, se quisessem mostrar seu descontentamento, portanto, raiva, inveja, irritação, por este papel imposto, a cultura não dava espaço para esta demonstração. Recriminava dizendo que este comportamento era de mulher vulgar e não de moça direita.



Nestas sociedades, por medidas de sobrevivência, todas as mulheres aprendiam a cuidar das crianças. Elas passavam a maior parte do tempo educando, ao mesmo tempo em que zelavam pela alimentação dos filhos. Tudo era dividido e compartilhado. A criança era formada para conquistar a independência.

       As tarefas da mulher eram mais valorizadas do que as do homem. A mulher dedicava-se à coleta, ao cuidado da casa e da família, enquanto os homens pescavam e caçavam. Não se tinha conhecimento da participação do homem na procriação, mas se conhecia claramente a função da mulher, a maternidade. Atribuição esta reconhecida como de muito valor nas comunidades.



     Essa atmosfera de valorização à mulher inicia seu fim com a invenção do machado de pedra lascada e se concretiza com a necessidade da conquista de terras visando o controle do excedente da produção de alimento. O homem passa a ser mais competitivo, ambicioso, frio e calculista. Distancia-se das sociedades matrilineares e constituindo-se no gênero predominante.

     À medida que os valores foram se deslocando do feminino para o masculino, foram se introjetando a vergonha do corpo, a vergonha de ser mulher, e a ver a menstruação como algo sujo e vergonhoso. O desejo sexual passa a ser entendido como pecado, o sexo restrito ao casamento e o orgasmo um prazer masculino. As partes integrantes da mulher – a santa e a profana – foram separadas na medida em que a prática da virtude da verdadeira mulher era ser rigida e submissa e as que fugiam a essa prática eram as mulheres do domínio público, com resposta orgástica, as prostitutas.

    A trágica sina se perpetua com a tirania da medicina entendendo como enfermidade a presença de desejo sexual nas mulheres. Em caso de masturbação elas eram submetidas à clitoridectomia e em casos de mulheres nervosas faziam a ooforectomia.

     A mulher, portanto, passa a ser subjugada ao mundo privado, limitando-se à dura atividade de gerar filhos para arar a terra, defender o estado e conquistar territórios. Perdeu a atuação econômica e a autonomia. O casamento, nesse período da humanidade, advém da coerção e não da escolha.

    Quanto mais a mulher era impedida de trabalhar, mais o casal se distanciava de uma relação de cooperação e independência. A disputa entre as mulheres por um parceiro provedor levou a rivalidade entre as mulheres. Desta forma, os laços afetivos e a cooperatividade, característicos entre as mulheres no sistema matrilinear, ficam em segundo plano, distanciando-se da própria essência feminina. Ou seja, a mulher foi podada no âmago de sua alma, o mundo das emoções, fonte de força e sabedoria interior.

     Essa posição inferior que foi imposta à mulher nas relações conjugais leva-a introjetar esse sentimento de inferioridade que mais tarde se traduz em dependência psicológica em relação ao homem e em carência emocional, que ela supercompensa afetivamente na relação com os filhos,

     A mulher dependente emocionalmente da família entra nas relações conjugais buscando um provedor, o que dá sentido a sua vida. Ela precisa servir para se sentir útil e necessária. Seu mundo é o relacional. Ela foi criada para ser dependente do outro e o homem para ser independente.

    A questão cultural chave com relação à mulher foi de ter desvalorizado as características maternais e relacionais da mulher entendendo assim como um ser inferior, alguém incapaz, de baixo consciente cognitivo, sem ambições, sem desejos.

 “Os valores de cuidado e apego, interdependência, relacionamento e atenção ao contexto foram considerados primários no desenvolvimento feminino”. A cultura patriarcal não só desvaloriza tais valores femininos, prossegue a autora, como vê “a preocupação com os relacionamentos, uma fraqueza das mulheres, e não uma força humana”. 

    O mesmo é observado pela literatura analítica, que entende que a essência da mulher está no campo dos relacionamentos. Entretanto, os instintos, os sentimentos, a intuição, a emoção e a sabedoria perderam sua autenticidade de expressão. Essa particularidade feminina foi desvalorizada pelo patriarcado que exaltava os elementos masculinos, ligado ao social, ao cultural, ao civilizado, à consciência, ao concreto, ao palpável, à razão, ao conhecimento e ao intelecto.

   Certamente a cultura influenciou na formação desta mulher levando-a a não tomar em consideração as suas próprias necessidades e anseios, provocando a cegueira de si mesma e a ausência de conhecimento daquilo que lhe era e é mais caro – sua essência feminina – colocando-a numa posição servil, onde o que ela pensava e sentia não tinha valor, o outro, sim, é que era o centro de sua vida, escopo maior de existir.

      Essa necessidade, portanto, de “pertencer”, de ser “cuidadora”, “boazinha”, “dona de casa” e de ficar a “espera do príncipe encantado”, caracteriza a mulher dependente no plano emocional por perder autonomia, pela falta de liberdade para fazer escolhas e ausência de projetos pessoais. Há que ficar atenta para se perceber se o outro e suas necessidades não passaram a ser mais importantes do que suas próprias necessidades, aspirações e desejos. O Complexo de Cinderela
    Desde os anos 60, o cenário cultural mundial vem sofrendo uma mudança significativa. As mulheres passaram a ser vistas e tratadas de uma maneira diferente.

    Para as mulheres chegarem a essa mudança, um longo caminho foi percorrido. Pois uma sociedade machista e cheia de desigualdades foi sendo passada de geração para geração, e se tornando cada vez mais forte.

     Foi um movimento feminista, comandado pela pioneira Betty Friedan, em meados da década de 60, que começou a mudar esse quadro.
    
     Surgiram os protestos e a pílula anticoncepcional, que deu novos rumos à vida sexual da mulher. Desde então as universidades, o mercado de trabalho e muitas outras áreas foram sendo conquistados pelo poder feminino.

     No entanto, ainda hoje existem muitas barreiras e preconceitos difíceis de serem ultrapassados não só pela sociedade, mas também pela própria mulher.

    Collete Dowling, defende a idéia de que as mulheres não estão acostumadas a enfrentar o medo e superá-lo. Ela aborda um movimento feminista onde se acredita que está profundamente enraizado nas mulheres o desejo psicológico de serem cuidadas por alguém, de serem aliviadas de suas responsabilidades essenciais para consigo mesmas, de serem salvas.

Existe somente um instrumento para obtermos a “libertação” e esse é emanciparmo-nos desde dentro. ... uma rede de atitudes e temores profundamente reprimidos que retém as mulheres numa espécie de penumbra e impede-as de utilizarem plenamente seus intelectos e criatividade. Como Cinderela, as mulheres de hoje ainda esperam por algo externo que venha transformar suas vidas.
(COLLETE DOWLING )

      A autora segue descrevendo esse fenômeno como “Complexo de Cinderela”, que ocorre quando há um sistema de desejos reprimidos, memórias e atitudes distorcidas que se iniciaram na infância, na crença da menina de que sempre haverá alguém para sustentá-la e protegê-la. Independentemente do vigor investido na tentativa dessas mulheres viverem como adultas, a menininha dentro de cada uma sobrevive assombrando seus ouvidos com murmúrios assustados. Essa crença se solidifica na medida em que vai sendo alimentada com o tempo, mantendo na mulher um enorme sentimento de inferioridade, causando insegurança com amplos efeitos, que resultam em todas as espécies de medos interiores e descontentamentos, onde as mulheres tendem em geral a funcionar muito abaixo do nível de suas habilidades básicas.

      Elas passam então a desejar profundamente serem cuidadas por alguém e aliviadas das responsabilidades essenciais para consigo mesmas. Surge uma necessidade e fixação no outro. O que inibe de todas as maneiras a capacidade feminina de trabalhar produtivamente, de comprometer-se com a atividade e obter prazer com ela. Há um mito onde se acredita que a salvação está em estarem ligadas a alguém. Precisar trabalhar pode ser para elas um sinal de que, de alguma forma falharam como mulheres.

   Dowling esclarece que “Nem todas as mulheres sofrem o medo em seu grau agudo ou fóbico. Para a maioria delas ele é uma coisa difusa e amorfa, algo que vai corroendo as bases sem dar mostras”. 

     Há uma tendência dessas mulheres revelarem em sua infância a necessidade de se mostrarem autoconfiantes e controladoras de seus sentimentos. Quando crianças procuram desenvolver as habilidades e qualidades que lhes oferecerão a ilusão de força e invulnerabilidade. Na fase adulta procuram empregos que reforçam a imagem de auto - suficiência. O atributo neurótico surge quando o impulso para a realização se transforma numa compulsão, quando elas não podem não realizar.

     Tendem então a construir uma fortaleza por trás da qual possam esconder sua insegurança e medo. Passo a passo, ano a ano uma espécie de fachada contrafóbica vai sendo desenvolvida. As características básicas que o quadro apresenta são de uma pessoa dominadora, mandona, segura de si própria, querendo controlar de alguma forma o meio a sua volta. Sentem necessidade de articularem e definirem tudo. Em geral possuem presença marcante. As mulheres contrafóbicas têm dificuldades em se relacionarem positivamente, pois sentem necessidade de se sentirem superiores, de estarem “com o controle nas mãos”.

     Essa imagem de autoconfiança projetada são basicamente dominadas pelo medo, mascarando seus sentimentos básicos de insegurança e desamparo.

Esse é “... um modo pseudo-independente que finge possuir auto-suficiência quando, na verdade, por dentro a pessoa é tímida, incerta sobre tudo e temerosa demais de perder a identidade, a ponto de nem ser capaz de se apaixonar.” ( COLLETE DOWLING )

      Quando chega a idade em que supostamente as mulheres estão aptas para o casamento, muitas delas que são excessivamente dependentes acham difícil, senão impossível manter a farsa do ser forte. Durante a adolescência elas conseguiram mais facilmente manter a máscara e alimentar sua dependência, mas agora elas já não anseiam mais por isso. Procuram uma situação na qual possam abandonar sua fachada de auto-suficiência e retornar àquele estado aconchegante da infância que é sedutor para as mulheres, o seu lar. Dessa maneira a circunstância torna-se ideal para uma “vencedora”, pois sua motivação para abandonar toda vida profissional, é o de tornar-se uma dona-de-casa.
Sua disposição de a tudo renunciar pela segurança, não dura muito, pois freqüentemente as mulheres descobrem que o casamento não lhes traz o tão sonhado objetivo.



      Para muitas mulheres o sentimento do desespero lhes fornece coragem para ousarem a ultrapassarem a fronteira do conhecido e aventurar-se a mudarem suas vidas.

   Quando começam a perceber o quanto contribuem para sua própria fraqueza e vulnerabilidade, nutrindo e defendendo sua dependência, essas mulheres começam lentamente a sentirem mais força. Passam a enfrentar seus conflitos e buscam suas próprias soluções, ganhando assim maior liberdade. Ao assumirem suas responsabilidades, deslocam o centro da gravidade do Outro para o Eu. Gradualmente ficam menos inibidas, menos invadidas pelo medo e pela ansiedade, menos artomentadas pelo autodesprezo. Passam a ter menos medo dos outros. Tem menos medo de si mesma.
O “ajustar-se ao papel de esposa” igualmente envolve a renuncia às habilidades individuais. A chave dos grilhões de várias mulheres casadas hoje reside no fato de que não teriam meios de sustento próprio, já que quaisquer habilidades que possam ter desenvolvido antes de se casarem há muito se atrofiaram. (COLLETE DOWLING ) Aprendi que a liberdade e a independência não podem ser arrancadas dos outros – da sociedade em geral, ou dos homens - , mas podem ser ativamente desenvolvidas desde dentro. Para alcançá-las, teremos que renunciar às dependências que vimos usando muletas para sentir-nos seguras. E, no entanto, a troca não é tão perigosa. A mulher que acredita em si mesma não precisa enganar-se com sonhos vazios, com coisas que estejam além de suas capacidades. Ao mesmo tempo, ela não vacila em face das tarefas para as quais se acha preparada. Ela é realista, segura e ama a si própria. Ela está finalmente livre para amar os outros, porque ama a si mesma. Todas estas coisas, e nada menos que elas, constituem a mulher que se libertou. (COLLETE DOWLING ) 


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Posso ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes, mas não esqueço de que minha vida é a maior empresa do mundo. E que posso evitar que ela vá à falência. Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver, apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise. Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e se tornar um autor da própria história. É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar um oásis no recôndito da sua alma. É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida. Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos. É saber falar de si mesmo. É ter coragem para ouvir um não. É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta. Augusto Cury E-MAIL: lu.name.lc@hotmail.com